terça-feira, 4 de maio de 2010

O Escritor - Allyson Alves

A minha fé continua intacta.
Mesmo que por minha causa,
E apenas minha culpa,
Ela esteja manchada.
A minha unha está quebrada,
Minha cara enrugada,
Minha vista opaca,
Minha voz cansada.
Levo entre os dentes
Uma faca amolada.
E motivos para usá-la.
Eu já perdi o fio da meada,
Já dormi no meio fio,
E senti o frio da madrugada.
Sozinho, na calçada.
Já delirei por elas.
Já me iludi por elas.
Já me danei por elas.
Eu sou bobo por ainda existir
E ser forte quando ninguém acredita.
Pra isso me inventaram.
Pra fazê-los felizes.
Tantos amantes, amados e calados,
Correspondidos ou não, safados, sinceros,
Cinematográficos e românticos, carnais,
Ou somente apaixonados.
Que me carregam no peito,
Mesmo que me neguem, mesmo assim.
Eu me faço brotar, mesmo que quase matado.
Me faço enramar, mesmo que podado.
E existo mesmo se arrancado.
Sempre me falta um pedaço
Que todos se enganam em procurar.
E sempre se pensa achar;
E sempre acham errado.
Sou infinito, mesmo que não dure.
Sou invisível e completo-me.
Não me procure a outra parte,
Se deixe encontrar, apenas;
E quando assim for, reconheça.
Eu sou doce, palpitante, acolhedor.
Eu sou tão mal falado, sempre culpado.
Sou tão usado, e abusado. Sim, sou abusado!
Inclassificável no certo ou errado.
Estou além disso.
Dou prazer, e também dor.
Tenho também meu preço,
Mas não podem me comprar.
Podem até fingir me ter,
Mas não podem me fazer fingir...
Nem me obrigar a nada,
Nem me matar, nunca poderão!
Sou essência, hospedeiro.
Morando de favor nos corações,
Sem pedir licença nem opiniões.
Eu sei que sou confuso,
E daí, me inventam falsas verdades.
Eu sou necessário, mesmo que me desprezem.
Eu sou real, mesmo que não acreditem.
Sou como quiserem, de qualquer cor,
Tenho variações no sabor,
Me dizem: irmão bom do ódio,
Mas não guardo rancor.
Sou beijo, abraço, canção e flor.
Sou luz, amasso, afeto, calor.
Sou filho, filha, pai e mãe, avó e avô,
Amigo, chama sem pavio.
Dos sentimentos humanos
Sou o grande senhor, síndico,
Presidente, senhorio, governador.
Sou espinho, sou sadio, infinito.
Eterno moderador.
Existo no peito do ferido
E de quem o fere.
Sou de doma impossível;
Atrevido, alma de moleque!
A quem nunca cabe a conjugação “passou”.
Simplório só de nome...
Assinando romances como um grande escritor...
Ao pé da página, rubrico: Amor.

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